12 de jun. de 2009

marilu?

Helena acordou às 6:30 da manhã, como de costume, ao som irritante e repetitivo do despertador. Desligou o aparelho e começou a levantar, devagar. Calçou os chinelos, vestiu o robe e foi para o banheiro. Lavou o rosto, escovou os dentes, penteou o cabelo, na maior normalidade. Nada indicava que algo estranho poderia acontecer aquele dia. Voltou para o quarto.
- Benhê, está na hora de acordar - sussurrou, balançando seu marido de leve pelo ombro.
- Uhum - ele resmungou - Já vou.
Helena desceu as escadas e foi até a cozinha. Ligou o rádio e ficou passando as estações até sintonizar em uma suave melodia. Ficou cantarolando enquanto passava o café e colocava algumas fatias de pão na torradeira. Subiu de novo e acordou os filhos. O mais velho já estava acordado, fazendo de última hora a lição de casa. Já a menina, Helena teve que balançar com mais vigor - Claudinha estava resistindo à idéia de sair da cama em um dia tão frio. Por fim, a menina levantou e foi ao banheiro. Helena desceu as escadas, abriu a porta da frente para o cachorro sair e pegou o jornal, enrolado em frente ao portão. Voltou para a cozinha, entregou o jornal para o marido, que já estava vestido para trabalhar. Logo as crianças apareceram. Todos tomaram café da manhã em silêncio e logo o marido saiu para trabalhar, levando as crianças junto para deixá-las na escola, que ficava no caminho.
Helena terminou de tomar o café e lambeu os dedos lambuzados de mel. Leu o horóscopo no jornal e começou a fazer a rotina costumeira: limpar a cozinha, arrumar as camas, varrer a varanda. Quando estava pronta, trocou de roupa, pegou sua bolsa e foi ao supermercado.
Entrou no mercado, cumprimentou a moça do caixa, que murmurou um "oi" entediado, enquanto mascava tediosamente um chiclete e esperava uma senhora toda vestida em tricô tirar moedinhas de uma moedeira - de tricô. Pegou um cestinho e, com a cabeça envolvida em pensamentos, começou a pegar mercadorias aleatórias: azeitonas, sabão em pó e papel higiênico foram para a cestinha sem nenhuma reflexão a respeito. Helena estava distraída escolhendo alguns tomates quando alguma coisa chamou sua atenção - alguém parado no balcão em frente à ela sorria, como se a conhecesse. Helena sorriu de volta, sem muita convicção, e se dirigiu ao balcão dos embutidos. Ia pegando um pacote de mortadela quando a pessoa que havia sorrido chegou para conversar. Era uma senhora, já com a idade mais avançada, cabelos grizalhos e marcas de idade no rosto. Vestia uma calça púrpura e um longo casaco cinza.
- Marilu! Quanto tempo, amiga! -disse a idosa, abraçando Helena com firmeza - Cabelo diferente... O que tem feito?
Helena percebeu que a velha estava cometendo um engano, estava confundindo ela com outra pessoa, alguma tal de Marilu, mas deciciu não dizer nada, tão respeitosa que ela era com os idosos.
- Ah, tenho feito o mesmo de sempre, uma coisa ali, outra aqui... - Helena foi um tanto vaga.
- Bom saber. E o Souzão, teu marido, continua jogando futebol?
- Sabe que ele parou? É a idade chegando...
- Quem diria, logo o Souzão. Sabe que depois que meu marido faleceu, nunca mais reencontrei a antiga turma. Tens visto alguém?
- Pra ti ver, perdi o contato com eles também. - Antiga turma? Quem? Helena não estava entendendo.
- Poxa, que lástima. Bom, vou indo lá. Bom te ver, Marilu. Manda lembranças pro teu marido!
- Claro, pode deixar.
Estranho, pensou Helena enquanto a senhora se afastava, mancando de uma perna. Marilu, vê se pode. Helena continuou suas compras, escolheu mais alguns itens e foi ao caixa da menina entediada pagar.
- Deu 53 reais. Vai fazer em dinheiro? - perguntou a menina entediada, que continuava mascando o chiclete.
- Não, vou fazer no cartão de crédito.
- Preciso do cartão e da tua carteira de identidade, por favor.
- Claro - disse Helena, abrindo a bolsa.
Então, de repente, Helena deixou cair a carteira no chão, espalhando moedas por todos os lados. Olhava aparvalhada para a carteira de identidade - onde um dia estava escrito Helena Silva, agora dizia Marilu de Souza. Atordoada, entregou a identidade e o cartão para a moça do caixa, assinou o canhotinho, pegou as sacolas com as mercadorias e estava prestes a sair do supermercado quando aconteceu. Na porta espelhada do estabelecimento, onde era para estar o reflexo dela, estava um rosto que não era seu.

2 comentários:

  1. Deu uma aflição esse final... Ai, meu Deus, o que fizeram com a Helena que, na verdade, era Marilu? E porque ela pensava ser Helena se era Marilu?

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