19 de mar. de 2013

vida de barata

Nunca abria as janelas da casa, pois gostava era do escuro, do bafo. Da solidão. Detestava os raios de sol que tentavam entrar de fininho pela fresta da veneziana. Repudiava as risadas de crianças que vinham lá de fora. Não passavam de uma farsa, ele tinha certeza. A ilusão de que havia algum sentido para viver. Ver o céu azul ou essas crianças crescerem. Não importava, porque  não havia razão nenhuma.

Aquilo fazia ele lembrar de coisas que não queria lembrar. O dia em que ele acreditava. Ela olhava pra ele com aquele nariz cheio de sardas e dizia coisas bonitas. Pegava ele pela mão e fazia aqueles pés, que de valsa nunca tiveram nada, rodopiar. E ele se sentia tão leve que poderia flutuar até encostar no teto embolorado do ambiente pequeno, que até parecia se ampliar e encher de luz quando ela estava por perto.

Ele confiou que aquilo poderia ser realidade e que o mundo não era o poço de água parada e morta que havia sido até então. Sempre na expectativa de que algo bom aparecesse. Aquilo era, afinal, estar satisfeito?

Então, como num sonho, ela chegou sem aquele brilho no olho castanho. O mundo era devagar demais pra ela, pra cabeça dela e pras aventuras que ela queria viver. Eu estou indo embora, ela disse. Fico por aqui só mais um mês.

Lembranças, de novo elas. Ele deu uns socos na janela, com o objetivo de calar aquelas vozes insuportáveis. Ajeitou a cortina para fechar ela mais ainda. Acendeu um cigarro e chorou.

Vida miserável, escura e peçonhenta. Vida de barata.

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Esse post faz parte do Desafio Relâmpago, projeto que começou hoje lá na minha página no Facebook. A tarefa é escrever um post com o primeiro título sugerido. Essa ideia aqui, “Vida de Barata”, veio do Felipe Goulart, do blog O Quanto Quiser. Fica de olho na minha página, a qualquer momento posso lançar o desafio de novo! 

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